A boa pessoa

Reflexões de escritório

Esse texto não é sobre empreendedorismo.

Imagine que você é uma pessoa inteligente. Inteligente de verdade. Teoricamente, você poderia criar ou oferecer algo bom para os outros. Mas tem um problema: as pessoas não andam por aí com bolas de cristal. Ninguém sabe, de antemão, se o que você pode oferecer é realmente bom ou só algo que é na sua mente.

Vamos imaginar a cena: você passa noites em claro, lapidando seu produto. Coloca paixão, suor, até uma dose de fé. Acredita, finalmente, que ele está pronto. Então pega uma mesinha qualquer, encosta na porta da sua casa, uma casa numa rua onde nem o vento faz curva, e coloca seu produto ali. Sem etiqueta, sem imagem pensada, sem contexto. Só o seu amor por ele. Esperando que o mundo passe e se encante.

Na versão 2.0 disso, a geração atual joga o produto na internet. Tira quatro fotos com má vontade, escreve uma descrição genérica feita no ChatGPT e coloca num aplicativo aleatório, rezando para dar match. Vai que viraliza, né?

Mas passam semanas. Depois meses. Ninguém compra. Alguns olham, mas não clicam. E você insiste, afinal, a internet é sobre persistência. Você fez a sua parte, não fez? O produto é bom. Você acredita nisso. Então por que não deu certo?

É aí que começa o processo de terceirização da culpa. O problema é o mercado. O cliente não quer nada sério. O povo não valoriza o que é bom. Você encontra consolo em outros desabafos parecidos e mergulha em debates indignados sobre a insensibilidade do público moderno. Você, o empreendedor esforçado, o visionário incompreendido, fiel aos seus princípios, e com um currículo de virtudes exibido em cada reunião de família.

Mas… e se o erro não é do mercado?

Existem vários ângulos para olhar melhor isso, mas vamos olhar do único ângulo que você consegue controlar um pouquinho.

Talvez o produto não esteja pronto. Talvez você não tenha conversado com clientes de verdade, com os que dizem “não” olhando nos seus olhos. E cada “não” é um convite não para desistir, mas para ajustar. Para entender que o jogo não é sobre você. É sobre o cliente.

Pode ser doloroso, mas às vezes você vai ter que jogar seu produto querido no lixo e começar do zero. Um novo serviço, uma nova ideia, agora com foco real em agradar, ajudar, ouvir e respeitar quem vai usá-lo.

Isso é construção. Isso leva tempo. E no começo, você talvez não tenha o brilho que encanta os clientes mais abonados. Eles querem o produto pronto, bonito, com selo de qualidade. Eles podem pagar por isso. E pagar também para nunca mais usar.

Mas se você construir, com calma, suor e aprendizado, você vai ganhar algo que não tem no atacado: expertise. Como o bartender que sabe a medida exata do rum no drink Gabo. Como o atleta que conhece o ponto em que o corpo desiste.

Ser bom é mais que criar algo bom. É saber mostrar isso com clareza, com humildade e com flexibilidade. É se mostrar com firmeza, mas aprender com leveza. E principalmente fazer diferença para o outro.

Quando for assim, será seu. Porque foi construído. Porque carrega sua marca e é seu carinho em dedicação. E isso, isso sim, tem valor para quem sabe reconhecer o que é raro.

Como eu disse lá no início:

esse texto não é sobre empreendedorismo.