Coisas Pequenas

Achados sobre o amor

Quantas vezes o peito ficou vazio esperando um trovão que nunca veio? Quantos amores se perderam porque a gente achou que amor era um vulcão, uma erupção que ia nos arrancar do chão e gritar, sem deixar dúvida, que era o certo? A gente espera, de braços cruzados na beira da vida, que o coração dispare tão forte que a escolha venha pronta, que o acaso dos belos — o brilho do dinheiro, o eco da fama, a curva da beleza — nos entregue alguém perfeito pra chamar de nosso. Mas o tempo corre, e o que resta são sombras de fogos que nunca acenderam de verdade.

Às vezes penso naquela mulher — quem sabe você já a viu, quem sabe ela mora em algum canto de você, mesmo você não sendo mulher. Ela cruzou com o cara mais foda que conhecia, aquele que fazia o mundo parar só de chegar, e confundiu o calor que subia, o fogo que queimava rápido, com amor. Era intenso, era agora, era o que ela jurava que precisava pra se sentir viva. Hoje, ela está aí, sozinha, os filhos brincando ao redor, as contas esperando na mesa, enquanto ele, o foda, segue por aí, intocável, vivendo como se ela nunca tivesse existido. E ela se pergunta, com um aperto no peito: será que as pessoas não valem nada? Ou será que ninguém lhe disse que amor não é o que incendeia, mas o que a gente decide construir com coração e mente leve?

Tem quem ache que, rodando de relação em relação, vai virar mestre no jogo do amor. Que cada encontro, cada adeus, cada cama desfeita é um degrau pra entender tudo, pra saber escolher o par ideal. Puro engano. O excesso não ensina; ele desgasta. Vai gastando aos poucos o jeito de olhar pro amor, até que os olhos fiquem turvos, cínicos, como os de uma meretriz que aprendeu a desconfiar de tudo e só vê o que pode ganhar a curto prazo. Você começa a farejar maldade onde não tem, segundas intenções em cada gesto, e só aceita o amor que for impecável, igual ao que sonhou — mas que nunca chega, porque a vida não é assim tão polida.

Machado de Assis sabia disso quando deu vida ao Bentinho, tão preso nos ciúmes que esperava que o amor com Capitu fosse um sinal claro, uma paixão que o livrasse de escolher. Não era. O amor dele ficou refém do que sentia, sem nunca dar o passo. Já Eça de Queiroz, com Carlos da Maia, mostrou outro caminho. Carlos viu Maria Eduarda, sentiu o peso da beleza dela, o mistério que ela trazia, e escolheu amá-la — mesmo sabendo que o mundo deles era frágil, que o passado dela tinha sombras, que o futuro podia ruir. E ruiu, sim, mas antes disso eles viveram algo que o acaso sozinho não explica.

Eu vejo o amor nas coisas miúdas, sabe? Naquele que te chama num dia que importa, só pra dizer que lembrou de você, ou no braço que te puxa pra perto sem porquê, só pra sentir que você existe. Gosto de pensar que é assim, nas dobras do dia — o café que esfria, o som da rua, a luz que corta a janela —, que ele se mostra. Mas não é só jogar esse tanto pra qualquer um, como quem despeja ouro aos pés de um rei que já tem tudo. Pra quem vive cercado de presentes, nada brilha, nada pesa. É escolher dar isso, agora, pra quem está na tua frente, desde que o outro mostre que sabe dar valor ao que recebe.

Acho que é isso.