Espólio do Ipiranga

O conservadorismo pode representar a maneira como tratamos nossas heranças. Mas quais são essas heranças quando saímos do âmbito financeiro e patrimonial? E quais são as heranças quando nos referimos à sociedade como um todo? Quer queiramos ou não, a Independência (ou morte) do Brasil é uma herança que nos desafia a compreender como lidamos com ela. Em tempos de liberdade contestada e negligenciada, podemos refletir sobre uma parte de nosso legado histórico e avaliar se estamos lidando adequadamente com essa herança.

Aninhado nas entranhas da vasta urbe brasileira, entre os lupanares, os botequins e os regozijos, o museu do Ipiranga sussurra em vão sobre um tema relegado ao esquecimento: a independência do Brasil e os anseios gloriosos de nosso passado.

Os jardins, como réplica diminuta de Versalhes, expõem-se à falta de sombra que assola este recinto encantador; algumas árvores, à semelhança daquelas plantadas por Dom João no jardim botânico do Rio de Janeiro, seriam mais apropriadas. Contudo, o museu do Ipiranga, com seu tom amarelo Brasil, ergue-se majestoso e imponente, até além das proporções que verdadeiramente possui em seu interior.

O Brasil, em sua constante surpresa, revela-se magnânimo no Ipiranga, onde o ápice da festividade se apresenta logo no início, na majestosa escadaria principal. Feita de mármore branco adornado por um carpete vermelho, ela ilustra de forma vívida nossa habilidade em harmonizar cores. As cores permeiam nossa vida, nosso cotidiano, presentes em nossa pele, em nossos sorrisos, nas frutas, nas vestimentas e nas iguarias culinárias. Para nós, o minimalismo cromático não integra a essência de nossa elegância.

Contudo, o detalhe que mais me comove é a presença de dezesseis vasos de cristal, cada um contendo a água dos principais rios brasileiros. Ali, resguardados, esses simples receptáculos emoldurados em cristal refletem a grandiosidade natural de nossa terra. Como um jovem moderno que acaba de receber um novo videogame, entreguei-me à leitura detalhada e à contemplação dos cristais e suas molduras ornadas com pássaros, evidenciando que não é a nudez que nos representa, embora talvez seja o que desejam de nós. Se pudesse, beberia um pouco de cada água ali contida, mergulharia em cada rio representado, na esperança de, talvez assim, perceber a imensurável grandeza deste país. No entanto, hoje, estamos incapazes de refletir e planejar nosso futuro sem buscar ideologias externas, sejam elas de Scruton, Trump, Saul Alinsky ou Marx.

Quiçá, quem sabe, necessitamos de uma nova independência, desta vez das ideias. É preciso abandonar as salas de aula, deixar para trás os confortáveis apartamentos nos Jardins, em São Paulo, e verdadeiramente mergulhar nessas águas, compreendendo como podemos pensar, planejar e agir de maneira autônoma. Talvez assim, ao menos, ouviremos menos rock por aí.

Parece que houve um tempo em que os homens vislumbravam um país dotado de educação, arte, ideias e riquezas próprias. Contudo, tais visões foram, provavelmente, engolidas por uma das muitas reviravoltas militares que marcaram nossa história. Sempre esbarramos na mesma pedra, e pelo rumo que tomamos, parece que apenas cessaremos nosso tropeço quando a pedra se cansar de nos ver cair.

Retomando a contemplação dessa maravilha, deparo-me com a estátua de Dom Pedro I, nosso primeiro imperador, figura muitas vezes esquecida e pouco mencionada. Quando mencionada, por vezes é tratada de forma jocosa. É importante lembrar que nossa jornada como império teve início com ele, e ao minimizar esse fato, começamos a alimentar nossa "síndrome de vira-lata". Somos incapazes de reconhecer nossa grandeza nos imprevistos da vida. Se a vida não é senão uma sequência de contingências, onde os afortunados conseguem entrever um fio condutor de significado e grandeza, enquanto os comuns apenas testemunham os acidentes, então está em nossas mãos a escolha: ser grandioso ou contentar-se em ser mero espectador dos infortúnios.

Ao ascender pela escadaria, é possível vislumbrar ainda mais a imponência do local, porém, nada supera a magnitude dos quadros na primeira sala, logo em frente no topo da escadaria. Em especial, destaca-se o quadro do desembarque de Cristóvão Colombo durante a descoberta do Brasil. Trata-se de uma obra vasta, magnífica, repleta de detalhes sobre a chegada dos portugueses e o encontro com os indígenas.

Girando sobre os seus próprios pés, sem espaço para recuperar o fôlego, depara-se com uma obra suprema: o Grito da Independência no Rio Ipiranga. Sim, senhores, nossa independência às margens do rio Ipiranga, ocorrida exatamente dentro do complexo que você está quando vislumbra o magnífico quadro.

Incrível, a arte, o tamanho, o peso histórico, o simbolismo... Seja qual for o entendimento que nós, brasileiros, tenhamos sobre independência…

Se estivessem no Louvre, poucas obras teriam tamanha beleza, significado e nobreza, e pagaríamos uma quantia exorbitante para contemplá-las.

O restante do museu busca retratar o cotidiano da vida dos brasileiros no passado, porém, também acaba por perder um pouco da emoção que é vivenciar este momento singular de nossa independência. É nossa independência, talvez um dos raros momentos da história em que nutríamos a aspiração de construir uma nação pensante, de maneira autônoma, buscando conhecimento no exterior, mas também buscando compreender cada verdade intrínseca em nosso próprio país. É uma pena que tenha sido apenas uma aspiração, mas ainda ecoa em nossos dias.

O conservadorismo pode se manifestar na forma como lidamos com nossas heranças; portanto, é crucial conhecê-las, preservá-las e estudá-las, para então discernirmos qual é o nosso melhor caminho a seguir.

O museu do Ipiranga é um testemunho vivo e acessível a todos os brasileiros. Não há futuro sem compreender o passado e decidir o que desejamos manter ou reinterpretar. Mesmo que alteremos o passado, ele permanecerá único e ecoará verdades para o futuro, mesmo que este prefira não olhar para trás. Entretanto, chegará o dia em que a mentira confrontará a verdade sem rodeios, sem disfarces e sem anestesia. É por momentos como este que a visita ao museu do Ipiranga se torna obrigatória, não apenas pela beleza e suntuosidade, mas principalmente pela verdade brasileira que ressoa ali.

Independência(mais uma vez) ou morte!