Frágeis

O quão frágeis somos

Cá estou eu, numa tarde cinza, o céu pesado como um velho cobertor que não aquece mais. Lembro dos meus dias na Inglaterra, onde o sol, por mais de quatro meses, se escondia atrás de um véu escuro, alto e impenetrável. O cinza era o tom mais claro que tínhamos. Estranhamente, eu gostava. Não por achar elegante ou pelas roupas de inverno — que, convenhamos, nunca fizeram ninguém parecer bonito, apenas pinguins gordos e desajeitados. Mas porque o cinza, para mim, abre uma porta. Uma porta para pensamentos que o calor úmido, o ziriguidum suado do verão, sufoca. Einstein já dizia que o Brasil era quente demais, úmido demais, superficial demais para qualquer esforço intelectual. Alguns provaram o contrário, mas o que importa é que o cinza me convida a outros tipos de pensamentos. E isso exige cuidado — não se abrem portas que não se sabe fechar.

Hoje o que me pegou foi o pensamento da nossa fragilidade. Não a do corpo, que se quebra fácil, nem a da mente, que se dobra sob pesos invisíveis. Falo da fragilidade diante do que não muda, do que simplesmente é. Um exemplo são sentimentos que chegam como um soco no peito, e você não pode fazer nada além de senti-los. Não falo do impossível como erguer montanhas, deter tempestades ou fugir para outro planeta — isso deixo para os super-heróis. Falo do que está dentro, do que nos atravessa como aço na carne, onde qualquer movimento que se faça é irrelevante.

Vi Adolescentes, da Netflix. Uma obra que me pegou desprevenido, com sua arte crua. Tem um garoto, Jamie, que vem de uma família perfeita — pai amoroso, mãe exemplar, irmã na faculdade. E ele mata uma garota. Na vida real, o caso foi de um menino negro, mas a genialidade da série está em trocar as raças e as estruturas familiares. Se fosse o garoto negro, cairíamos no clichê: falta de estrutura, sociedade opressora, mais um drama previsível. Mas não. É um garoto branco, de vida estruturada, e isso vira tudo de cabeça para baixo. O diretor nos força a olhar para ele, para a cultura incel que o engole, ignorando os outros 99 motivos que poderiam explicar o crime. É arte porque prende a atenção, porque gera um sentimento angustiante, mesmo com a verdade deturpada

Nossa atenção é frágil, escorre como água entre os dedos.

Penso no pai de Jamie. Um homem comum, sem fama, dinheiro ou beleza, que vê o filho no vídeo, esfaqueando a garota, mesmo após juras de inocência. Duro, não é? Ele sai de casa, deixa flores no local do crime, sozinho. Cena devastadora. Depois, no carro, o telefone toca — o filho, da cadeia, diz que vai se declarar culpado, rompendo todas as promessas de antes. Não há raiva que de jeito — isso é coisa de fracos, nascidos sob estrelas bravas —, nem choro que resolva. É um mar bravo, e ele está num barquinho furado, tirando água com as mãos, navegando sem parar. Isso é o homem: força e sentimento em guerra, sem trégua.

Como somos frágeis frente ao mar de coisas que aparecem na vida.

E tem o policial negro, responsável pelo caso. Um pai distante, que corre atrás da verdade enquanto o filho sofre as mesmas violências que Jamie na escola, preso nas mesmas ideias que ele investiga. No fim, é o filho que o ajuda a entender a teia do problema. Num gesto simples, ele chama o menino para comer junto. O filho não matou ninguém assim como 99,99% da escola. Mas precisava dele.

Somos frágeis para enxergar quem realmente importa, quem está ao alcance da mão.

Agora imagine o homem mais bonito do mundo, rico e famoso, casado com uma das mulheres mais belas, família grande. Uma hora ele cai, perde tudo, até o respeito. Deve ser duro para alguém assim olhar para dentro e se ver frágil. Após tocar o topo do mundo, entender que a chuva segue molhando, que a carne um dia vai encontrar o aço, e que, acima das nuvens cinzentas, o sol brilha, indiferente às suas forças, desejos ou influência.

Brad Pitt é um dos diretores executivos dessa série. Ele já explorou essa dança entre força e sentimento em Ad Astra, com a relação entre pai e filho, ou a ausência dela. Não me surpreendi ao ver seu nome nos créditos. Essa profundidade no sentimento masculino, a luta eterna entre a força e o que se sente, poucos em Hollywood ainda enxergam com tantas cores. Ele já guerreou e perdeu.

Pois é, como somos frágeis, mesmo tocando o topo do mundo.

Tudo segue acontecendo, catedráticos. Você pode buscar casamentos perfeitos, tentando formar seu power couple, correr atrás de fortunas a qualquer preço, se entregar aos prazeres e delícias do mundo. Mas no fim, como no começo, somos frágeis. Sua força, ironicamente, está nas pessoas ao seu lado — não as que você idealizou no Instagram, moldando-as num amor perfeito, mas as que só tinham a si mesmas para oferecer, e nem era muito.

Por falta dessas pessoas, somos ainda mais frágeis.