Parabéns Machado

21 de Junho, 185 anos do nascimento de Machado de Assis.

Não é todos os dias que se celebra a marca de 185 anos.

Ora, no corrente ano, em 21 de junho, próxima sexta-feira, celebra-se o natalício de Machado de Assis, atingindo a venerável idade de 185 anos. Ao longo da história humana, os grandes líderes e os mais abastados sempre se deixaram enlevar pela miragem da eternidade. A cultura egípcia, por exemplo, na era dos faraós, erigia-se inteiramente em torno do além-vida e da aspiração à vida eterna.

Não é todos os dias que se celebra a marca de 185 anos.

Ora, no corrente ano, a 21 de junho, próxima sexta-feira, comemora-se o natalício deste que vos fala, atingindo a venerável idade de 185 anos. Ao longo da história humana, os grandes líderes e os mais abastados sempre se deixaram seduzir pela miragem da eternidade. A cultura egípcia, por exemplo, na era dos faraós, erigia-se inteiramente em torno do além-vida e da aspiração à imortalidade.

Entretanto, permitam-me a reflexão: talvez a verdadeira eternidade resida não nas pirâmides ou nos tesouros acumulados, mas nas palavras que perpetuam a memória e o espírito de um homem. E foi isso que aconteceu com Machado que com sua humilde pena nos acompanha ao longo dos séculos, como um eco tênue, porém persistente, na vastidão do tempo.

Os leigos, assim como Santiago, que repousava sobre uma fortuna no sul da Espanha, mas só veio a descobrir tal fato após uma jornada alquimista e uma surra aos pés das pirâmides egípcias, que a chave para a eternidade não reside em lugar algum, senão dentro de cada um.

Afirmo isso pois Machado de Assis não apenas desfilou nossa gramática de maneira sublime nas passarelas da língua, mas também desnudou, de forma íntegra, seus sentimentos e percepções.

Uma visão de um homem, negro, que viveu sob o império e a república, cujas possibilidades se encontravam nos escritos de outros imortais, que igualmente verteram seus sentimentos em palavras com o coração.

Imagino que Machado de Assis deveria viver num ambiente semelhante a um banquete reservado apenas aos aristocratas, enquanto o restante da população apenas podia observar de longe, esforçando-se para um dia alcançar tal privilégio. Contudo, creio que para ele era evidente que o banquete da elite não representava a verdadeira distinção que ele almejava. Pelos enganos da vida, Machado, do alto de sua eminência conquistada, percebeu que, aos olhos dos ilustres, ele não era tão distinto assim. Talvez uma das coisas que ele menos desejava era ser como aquelas pessoas.

E assim, a eternidade emanou, não de fora para dentro, mas do íntimo de Machado, transbordando a verdade em suas palavras. Com sua pena perspicaz, ele desvelou a sociedade brasileira de sua época, mostrando com clareza a beleza e a elegância exteriores, que ocultavam almas vazias e corrompidas.

Quiçá Machado declinasse participar do baile dos virtuosos de fachada, não somente por esmero ou honradez, atributos que nele transbordavam, mas porque aqueles que têm a coragem de perscrutar suas próprias imperfeições, colocando-se em posição modesta, e não apenas sonhando com a glória heroica, encontram na virtude e na verdade um dever inexorável, por vezes automático, por vezes deliberado.

Sim, essa postura pode acarretar a perda de oportunidades, ser alvo de críticas e até mesmo de ridículo. Contudo, homens como Machado sabem que a eternidade transcende o entendimento comum de tempo, espaço e condições humanas. A eternidade brota da verdade e da virtude que emanam do ser quando ele as cultiva. Assim, o humano compreende, no auge de sua vida profissional, social ou econômica, que o banquete na mesa perde todo o sentido. E tal compreensão não lhe surge apenas na velhice, quando as possibilidades de vida já são escassas, mas enquanto ainda vive e cria, na plena vitalidade da existência.

Não há meio-termo; em algum ponto, a mentira inevitavelmente se confronta com a verdade, e esta última segue seu caminho inexorável.

É nesse momento que o eterno nasce.

O notável em Machado é que ele não critica a sociedade com a lâmina superficial da crítica por mera crítica; ele discorre sobre o amor e como aqueles no banquete não o compreendem. Ele não se refere à loucura, mas sim como ela pode ser desvendada, e no final, talvez nem seja loucura afinal.

Fala de maneira eloquente sobre como o ciúme é um verme que corrói a mais bela flor que é o amor, quando permitimos que entre uma fresta em nosso coração. E mesmo assim, aqueles que leem sem enxergar persistem em querer saber se Capitu traiu Bentinho.

Machado também ensina como um homem pode revelar sua nobreza diante da perda de um amor. Luís, apaixonado por Clara e desiludido, demonstra toda sua nobreza ao se retirar de cena quando a amada opta por um idiota rico. Em vez de se afundar em vícios e desespero, ele volta-se para a cultura moura e emerge ainda melhor, mais sábio, mais educado e mais próximo de Deus.

Em cada obra de Machado, revelam-se múltiplos retratos proveitosos para a sociedade brasileira contemporânea. Isso requer que o leitor vá além da mera fofoca literária ou da leitura mecânica, como se fosse um bibliotecário desnecessário; somente assim poderá vislumbrá-lo criticando, elogiando e ensinando simultaneamente.

Nos quase duzentos anos após seu nascimento, Machado de Assis não apenas é compreendido, mas lido, replicado, admirado, continuando a encantar aos 185 anos. Ele segue rumo à eternidade, destino natural dos verdadeiros virtuosos que, como Machado, viveram a vida sem se esconder atrás da cruz, sem temer viver plenamente, se relacionar, cometer erros, expressar desagrado, reclamar e enfrentar críticas, mesmo que às vezes fosse socialmente apedrejado. 

Parabéns, Machado, que tua pena perdure encantando os que se aprofundam, criticando os hipócritas que simulam virtude, e simplesmente ampliando nosso imaginário, como toda boa leitura deve fazer.

Na próxima sexta-feira, dia 21 de junho, às 20:30, convido todos para uma live sobre "O Alienista" em meu canal no Instagram. Vamos explorar o livro, suas peculiaridades, e vocês estão convidados a perguntar à vontade.

Não esqueçam que também podemos debater individualmente "O Alienista" na Terapia Literária. Vaiiii!

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