Spatia Hominum

Conto Inspirado em um artigo de Bruno Nogueira

Bruno, pai de duas meninas, Emma, de 14 anos, e Priscila, de 9, vivia assombrado por um espectro silencioso: a distância que o separava das filhas. A angústia de não encontrar eco nos interesses delas era-lhe um tormento constante. Os diálogos tornavam-se áridos, as atividades, por mais que ele se esforçasse, resvalavam na monotonia. E assim, o tédio infiltrava-se, como um veneno sutil, nas relações familiares, deixando Bruno na penumbra de um afeto que parecia escorregar-lhe por entre os dedos.

Em um raro final de semana solitário, pois ambas as filhas estavam envolvidas em compromissos que dispensavam sua presença, entregou-se à contemplação melancólica. Entre a leitura de um livro, a imersão nas aventuras virtuais de Assassin's Creed ou a tentação de convidar um amigo para uma cerveja em um botequim pelas bandas de Santa Tereza, em Belo Horizonte, ele hesitou. No entanto, ao imaginar o som do samba de real boa qualidade que certamente ecoaria por aquelas paragens, decidiu renunciar à ideia, preferindo o recolhimento a um concerto que lhe despertaria mais nostalgia que alegria.

Bruno ansiava por introspecção, desejava compreender, almejava encontrar um meio de ser o pai completo que sempre sonhara ser. Rememorava os tempos em que Emma, ainda pequena, lhe fazia incessantes perguntas. Por vezes, sentia-se pai de um papagaio, tal a frequência dos questionamentos, mas com igual dedicação respondia a todos, ainda que nem sempre detivesse o conhecimento necessário. Jamais permitiu que ela ficasse sem uma resposta, mesmo que tivesse de improvisar, com a afeição que só um pai devotado poderia oferecer.

Priscila, a mais carinhosa, havia perdido, já há algum tempo, o interesse pelo que ele trazia. Na verdade, era ele quem sentia a falta dos abraços e beijos que sua filhinha sempre lhe dava, sem motivo aparente. Recordava-se, com um misto de ternura e saudade, de um episódio em que, com apenas quatro ou cinco anos, ela implorara para buscá-lo no trabalho. Argumentara, com a lógica pura das crianças, que se ele tantas vezes a apanhara na escola, por que não poderia ela fazer o mesmo durante suas férias? Tal lembrança dilacerava-lhe o coração, avivando a distância que o tempo e o crescimento haviam imposto entre eles.

Assim, ele optou pela solidão, entregando-se à contemplação profunda, à observação meticulosa dos meandros de sua própria alma. Escolheu um bar de jazz, daqueles que à meia-luz se prestam não apenas a encontros românticos, mas também a encontros consigo mesmo. Tomou lugar ao balcão, no canto esquerdo, de onde poderia vislumbrar todo o pequeno salão do bar, com seus contornos difusos e sua atmosfera carregada de promessas e mistérios. Ao centro, uma banda de bossa nova, já não tão nova, preparava-se para iniciar sua apresentação, trazendo consigo ecos de um tempo que se mesclava harmoniosamente com as memórias e os anseios do presente.

"O que deseja, senhor?" perguntou o bartender, com voz suave e olhar perspicaz, como quem aguarda não apenas um pedido, mas também a revelação de um segredo guardado nas sombras da noite.

Decidido, ele solicitou uma dose de whisky nacional. Não movido pelo preço ou pelo sabor, mas sim pela memória das palavras de Vinicius de Moraes, que certa vez proferiu que o whisky era um cachorro engarrafado. Consciente de que o cachorro é o melhor amigo do homem, optou pelo whisky nacional, talvez em busca de uma resolução cultural para a distância que sentia em relação às suas filhas.

Uma dose dupla do raro Lamas Plenus Single Malt, com um teor alcoólico de 43%, foram solicitadas, acompanhadas por duas pedras de gelo, ambas delicadamente tocadas pelo próprio dedo do solicitante para uma mistura final. Ao fundo, ecoava a melodia suave de "Luiza", de Tom Jobim, uma canção que, segundo a lendas dos encontros e desencontros, fora composta para a filha do próprio Tom.

Quando a música começou, nosso Pai pensante, fitando fixamente seu copo de whisky, murmurou para si mesmo: "Por que essa relação com minhas filhas mudou? Será apenas uma questão de idade?" A melodia de "Luiza" parecia sublinhar sua inquietação, envolvendo suas reflexões com uma aura de melancolia e esperança.

Com o som suave do envelhecimento em carvalho americano e brasileiro, uma voz surgiu de dentro do copo, quase etérea, respondendo: "Você sabe por que há uma razão para sempre voltarmos aos assuntos chatos?"

Bruno se sobressaltou, olhando ao redor. Viu-se só; a casa de jazz ainda não estava cheia, e os bartenders, dois ao todo, encontravam-se na outra extremidade do balcão. Contudo, mais interessado na resposta do que na origem dela, Bruno prontamente replicou:

"Não."

Logo, o whisky, como que dotado de vida, respondeu:

"É porque eles não param de chatear."

Era a sua situação: a distância de suas filhas o chateava, incomodava, tornando todo o restante irrelevante.

Ansioso por respostas do sábio whisky, Bruno prontamente argumentou e perguntou:

Bruno: "Ok, fiz de tudo. Participei, estive presente sempre que possível, coloquei-as nas melhores escolas, proporcionaram-lhes as melhores tecnologias, férias na Disney, iPads, celulares, relógios digitais, e tudo o que uma criança, jovem ou adolescente poderia desejar. O que mais falta para eu ficar mais próximo?"

Whiskey: "Talvez, ao ser menos senhor de si mesmo e compreender que o problema talvez não seja sobre você, mas um problema que você mesmo gerou. Já considerou o quanto terceirizou a criação de suas filhas para a escola ou para a tecnologia?"

Bruno acompanhou o raciocínio, mas não encontrou seu equívoco nisso. Contudo, o whiskey falante continuou sua reflexão:

“É um dilema social contemporâneo. A tecnologia, com seus smartphones, iPads, computadores e relógios inteligentes, transformou a todos em seres que renunciaram ao mundo real das relações. E ao se concentrar nos mais jovens, percebe-se que essa mesma tecnologia está subtraindo deles um mundo que não podem se dar ao luxo de perder.”

Bruno: "Mas a tecnologia é uma parte intrínseca de suas vidas. Não posso criar filhos que permanecerão ignorantes à luz da modernidade."

Whiskey: "O problema reside em atribuir às crianças, desde cedo, a responsabilidade de decidir o que fazer com um instrumento tão poderoso e viciante, para depois depositar sobre elas a culpa pelo que as influenciaram a fazer. Elas estão aprendendo a ser pessoas, e o tipo de pessoa que se tornarão é, em grande parte, o resultado daquilo que ajudamos a construir nelas. Sempre que uma criança passa um dia inteiro presa a qualquer tecnologia, esquecendo-se da idade que tem, devemos retroceder três passos e entender como chegamos a esse ponto em que ela se fecha para o mundo, com os olhos tão distantes. A incapacidade de concentração, de observar o que está ao redor sem se aborrecer com os momentos mais monótonos – a apatia de quem mal começou a viver e já se sente exausto; a angústia de estar em todos os lugares ao mesmo tempo, sem realmente estar em lugar nenhum."

Um gole naquela bebida, primeiro para umedecer a garganta, e em segundo lugar, para interromper um pouco a eloquência do álcool falante. Estava Bruno processando as palavras, ainda longe de compreender por completo.

"Então, você sugere que o cerne do problema é a tecnologia?"

Whiskey: "Nunca. A culpa recai sobre aqueles que veem nos dispositivos eletrônicos uma espécie de babá, sentindo alívio com o silêncio que se instala quando as crianças estão entretidas com eles. Você transformou o celular em um substituto do convívio e empatia que deveria vir de você mesmo.

Se você colocar um celular na mesa e se afastar, ele não irá correr e saltar em sua mão, implorando para que você não interaja com ninguém."

Tomou o último gole do whisky, sentindo um leve ar de contrariedade por ter sido confrontado em algo que acreditava estar fazendo corretamente. Contudo, não hesitou em solicitar outra dose dupla, exigindo que fosse da mesma garrafa que a primeira.

Quando mexeu novamente no copo, fazendo o gelo tilintar suavemente, o whisky respondeu prontamente:

Whiskey: "Reitero, é um dilema social moderno, especialmente grave entre os jovens, pois estão em uma fase crucial de aprendizado e autodescoberta. Se desde cedo descobrem que há alguém que faz tudo melhor, tem mais dinheiro e é mais feliz do que eles, como poderão se entusiasmar com as pequenas maravilhas que ocorrem ao seu redor?"

Bruno não podia conceber que estivesse ansioso para receber conselhos de um simples copo de whisky; era algo que escapava ao seu entendimento, pois para ele, mais improvável do que uma bebida falar era ele mesmo se ver envolvido nessa conversa.

Bruno: "O mundo delas é a janela que abro para elas, e creio ter explorado todas as possibilidades. Sua teoria não me convence."

Whiskey: "Seu argumento é parcialmente correto. Ao abrir a janela inteira e entregar uma máquina altamente tecnológica nas mãos delas, dando-lhes o poder de escolher o que ver, como ver e quando ver, você está transferindo a responsabilidade para quem não deveria ser responsável. Não adianta culpar a tecnologia, mas sim quem a colocou nas mãos delas.

Quanto à contestação da minha teoria, saiba que ouço queixas de pessoas como você todos os dias, desde o início da minha existência. Agora, se desejar, pode buscar a dose de tequila; ela oferecerá uma solução rápida e envolvente para o seu dilema.”

O whisky revelava uma ousadia peculiar e, em certo aspecto, Bruno reconhecia nele uma humanidade mais ampla do que a sua própria, afinal, certamente aquele whisky já testemunhara e ouvira muitas histórias ao longo de sua existência.

Bruno ponderou: "Considerando a possibilidade de concordar com você, poderíamos afirmar que, diante do dilema moderno, esses jovens precisam de bolhas de humanidade. Seria isso necessário?"

Whiskey: "Acho que você deveria beber mais whisky, sim, meu caro pai. É necessário criar para os jovens bolhas de humanidade, onde eles possam verdadeiramente testemunhar a vida acontecendo diante de seus olhos. Cada hora perdida nas redes sociais é uma hora de vida desperdiçada. Nunca vamos lembrar com saudades de uma hora passada olhando para o celular, mas certamente nos arrependeremos de muitas horas desperdiçadas."

Bruno: "Você se mostrou melhor do que uma terapeuta."

Whiskey: "Terapeutas nunca diriam o que eu disse. Eles trabalham para manter você estável e útil dentro da sociedade. Eu, por outro lado, tenho a liberdade de atribuir a culpa à quantidade que você bebeu. Minha palavra é livre, protegida pela regra moral dos bêbados e alcoólatras."

Agora sim o derradeiro gole de whisky, depois, solicitou ao bartender a garrafa que o havia servido e a adquiriu. Levou-a para casa, mergulhado em seus pensamentos, como se tivesse tido um momento de revelação.

"Não posso me eximir da responsabilidade de criar bolhas de humanidade para minhas filhas. A tecnologia não é má; ela é incrível, nos fez avançar de maneiras que nem sequer conseguimos mensurar. No entanto, devo estar à altura de mostrar a minhas filhas como é ser humano."

Ao chegar em casa, acessou o mercado livre e adquiriu três dumb phones (celulares que apenas recebem ligações e SMS). Decidiu que a comunicação entre os três seria exclusivamente por esse meio, sem smartphones.

Bruno compreendia que não se tratava de moralismo, mas sim de resgatar aqueles que são nossos, de sentir saudades, de ter as pessoas próximas, e não apenas imaginá-las em um mundo do qual não fazem parte. Ele desejava proporcionar a oportunidade para que suas filhas se encantassem e se desiludissem com o que as cercava. Tratava-se de todos assumirem a responsabilidade pela humanidade de cada um e, principalmente, devolver aos jovens a vida que lhes fora subtraída em troca de uma tela repleta de vídeos e imagens.

Essa foi a primeira bolha de humanidade que criará para elas. E as meninas? Elas gostaram do dumb phone, que se tornou um item vintage entre seus amigos.

Texto escrito sem qualquer observação aos atuais acordos ortográficos (e os antigos também).